domingo, 23 de outubro de 2011

Sempre o mesmo olhar


 
Na edição nº 900, referente à semana de 08 a 14 de outubro, o jornal Novo Horizonte traz na editoria Igreja uma notícia intitulada “Igreja celebra Semana da Vida e Dia do Nascituro” que trata sobre a Semana Nacional da Vida que a Igreja Católica celebrou de 01 a 07 de outubro e no dia 8 a celebração do Dia do Nascituro.
No lead (primeiro parágrafo que sintetiza o fato) da matéria, o autor escreve: “A data é incentivada pela Conferência Nacional dos Bispos Brasil, CNBB, desde a 43º Assembleia Geral da Conferência dos Bispos do Brasil, realizada em Itaici, de agosto de 2005”. Primeiro que foram celebradas duas datas distintas: de 01 a 07 – Semana Nacional da Vida e no dia 08 – Dia do Nascituro – mas quando o autor cita “A data...”, ele não especifica ao leitor qual das celebrações é incentivada pela CNBB. Outro fator é que ele não nos situa quanto a localidade Itaici, já que não explicita que se trata de um bairro na cidade de Indaiatuba, no estado de São Paulo.
É importante atentarmo-nos para partes da narrativa.  No 3º parágrafo consta: “A proposta da CNBB é a defesa da dignidade, da humanidade, e da originalidade do embrião, do feto, do nascituro. A Pastoral Familiar complementa este trabalho com a luta pela ecologia, pelos pobres, contra a fome, pela inclusão social, contra as injustiças e desigualdades.” E no 4º parágrafo: “A defesa do nascituro sustenta-se na valorização do ser humano que está no ventre materno e que a Mãe precisa dar a luz...”.
Lendo os trechos não parece constar nada de errado para quem está acostumado com esta visão hegemônica sobre o tema. Até porque se trata de uma atitude que todos sempre admiram, ou seja, a ajuda ao próximo, a luta pela defesa de algo ou alguém - e que seja de interesse da maioria. Mas o outro lado da questão é que ninguém percebe como essa ideia é imposta à população, ou melhor, quando se diz que a “Pastoral Familiar luta pelos pobres, pela inclusão social, contra as injustiças e desigualdades”, há neste trecho uma contradição, pois se este é o papel que o grupo diz desenvolver na sociedade. Contudo, porque eles não defendem o ponto de vista de que estes pobres, principalmente as mulheres, não possuem as condições necessárias de conceberem uma vida e que, com isso, deveriam deixá-las terem o livre-arbítrio de escolherem se querem ou não uma criança. Mas não, o que a Igreja faz? Simples, condena esse outro ponto de vista e aponta todas as mulheres que cometem o aborto como pecadoras e criminosas.
Poderia ser diferente 
Como já foi dito na seção de artigos no ensaio intitulado “Aborto: legalizar não é incentivar!” - http://observandoparintins.blogspot.com/p/artigos.html - não é o simples fato de não querer ter uma criança que deve estar na balança desse debate, o que deve ser analisado é todo um contexto social em que a mulher está inserida – o que impediria de realizar um julgamento tão prematuro.
O outro ponto polêmico é quando expõe: “A defesa do nascituro sustenta-se na valorização do ser humano que está no ventre materno e que a Mãe precisa dar a luz...”. Por que necessariamente ela precisa dar a luz? E se ela não quiser ou puder ter? Cadê o direito de escolha dessa mulher? Por que os jornalistas não questionam isso e apresentam um real debate sobre essa questão?
Uma alternativa a ser trabalhada na cobertura do aborto poderia ser a seguinte: Abortar é uma questão não só de direitos humanos, mas de criação de políticas públicas de saúde, e é isso que falta ser questionado e debatido pelo jornalismo desse Sistema de Comunicação.
O que o veículo deve perceber é que embora a Igreja pregue que tem que haver a luta a favor da vida, o cenário em Parintins, assim como em todo o Brasil, a cada dia se torna caótico em relação à saúde, pois não se tem, nem se pensa, em políticas públicas para dar o apoio que as mulheres realmente necessitam. Além disso, o município é uma sociedade dominada pelos poderes da Igreja Católica, instituição que defende a bandeira da vida, mas condena o uso de métodos contraceptivos, já um tabu vivenciado na sociedade parintinense.
Enfim, Parintins não foge desta realidade, a questão dos direitos reprodutivos da mulher é um assunto que a população tem o direito de ter acesso e acima de tudo respostas o mais rápido possível, a fim de poderem ter a esperança de que esta cidade possa chegar a ser um dia, verdadeiramente, um dos melhores lugares para se viver no norte do país.
 
 
Hanne Caldas

5 comentários:

  1. Aborto, eutanásia, pena de morte entre outros, são temas que geram polêmicas, e essa contenda não é exclusividade de Parintins, do norte do Brasil ou de país subdesenvolvido. Não é simplesmente questão de saúde! É social, cultural e também (queira ou não) religiosa. Portando, de vários argumentos e de difícil conclusão.
    Penso que você foi infeliz e preconceituosa ao relacionar o aborto com a condição social de pobreza de muitas mulheres, e ainda me levou a entender que abortando diminuiria a situação “caótica” da saúde no país. Acho justo se falar em direito de escolha da mãe, mais às vezes me pergunto mergulhado na minha ignorância diante da complexidade da vida, afinal onde ela começa? Eu vejo o dia do seu aniversário como uma farsa, pois você já estava viva muito antes disso (ainda no ventre), entretanto somente aprendeu a falar “sim ou não” por volta de 1 ano. Se sua mãe tivesse escolhido lhe abortar (direito de escolha) seria sua sentença de morte. E o pior de tudo, sem que você se pronunciasse. Seria isso justo?
    Fazendo um trocadilho com o poeta “queixo-me as rosas, mais que bobagem, os fetos não falam” e lembrando um jargão da jurisprudência que diz “o direito não chega para quem está dormindo” me levam a crer que o tema é muito mais profundo e abrangente do que a simples decisão de querer ou não abortar.

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  2. Creio que a situação social é um fato importante sim. Mulheres ricas e pobres abortam, mas as pobres correm risco de morte (sendo que muitas verdadeiramente falecem)quando utilizam perigosos métodos de impedir a gravidez. O problema é que a criminalização dessas mulheres escolhe sim classe social. Não acho que considerar isso seja preconceito, pois a noção de "igualdade" de condições entre ricos e pobres tem sido sempre utilizada para justificar a exploração dos últimos. A pergunta é, Trindade, porque a população de Parintins não tem o direito de vislumbrar um debate consistente sobre essa temática, não dá pra ficar só na visão igrejeira, isso vc mesmo atesta,

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  3. Concordo com o debate, temos que sair do planeta das teorias e orbitarmos na realidade local, não podemos ficar somente resmungando contra aqueles que expõem seu ponto de vista contrário aos nossos. Está mais do que na hora de criarmos espaços reais onde todos poderão expressar suas ideias. Então me pergunto: não seria esse também um dos papeis das universidades? Já está passando da hora de agirem, e este é um bom argumento para saírem do campo da “observação”.

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  4. Bem lembrado Trindade. Nesse exato momento estamos articulando esse debate sobre as questões quem envolvem o aborto, mas é um pouco difícil debater com a religião e você sabe disso, mas apesar de tudo eles têm se demonstrado interessados no diálogo. Assim que tivermos a confirmação, esperamos sua presença.
    Não entendi o porquê de você dizer que a colocação da colega foi preconceituosa. Existe uma relação direta e de classe, mulheres ricas vão à clínicas, mulheres pobres se mutilam ou passam por processos terríveis. Mulheres ricas tem como dar uma vida digna à essa nova criança. Mulheres pobres, muitas vezes não conseguem nem viver dignamente sozinhas, imagine com uma criança. A legalização do aborto não é um incentivo, em tese, só daria a liberdade das mulheres fazerem-no com saúde, porque há métodos viáveis de fazê-lo e com isso vem a informação também.
    Abortar não diminui a situação caótica da saúde no país, mas impede um crescimento desse caos. Isso é uma questão de saúde pública.
    Quanto ao debate da vida, é muito complexo definir a vida, como você disse Trindade, mas com essa legalização, poderá, pelo menos criar-se uma noção humanizada de vida que se adeque à esse processo, pois é lógico que mulher alguma irá ao SUS abortar uma criança de 6 ou 7 mêses, é coisa de do inicio da gestação.

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  5. Todos abortam independente de classe social e situação econômica. Essa é uma das práticas mais antigas da civilização. É uma grande hipocrisia isso de luta pela vida, já que biologicamente falando, o número de abortos espontâneos é muito maior que o numero de nascimentos, sendo que às vezes a mulher nem mesmo percebe que estava grávida. O aborto se torna sim uma questão de preconceito, quando criminaliza a mulher que o fez geralmente porque essa mulher é de um nível social mais baixo e mais suscetível aos problemas de ordem social que ainda, infelizmente, imperam no nosso país e na sociedade parintinense também. Embrião não tem direito de escolha, porque não é gente, não fala, e não pensa. E rebatendo já de antemão as colocações que irão fazer por conta dessa minha frase aqui, se minha mãe tivesse escolhido me abortar, que diferença ia fazer pra mim? Eu não ia nascer mesmo pra saber o que teria acontecido? Ninguém pede pra nascer, porque então, temos que obrigar os que nascerão a sofrer de fome, frio, dor, e muitas outras situações porque a mãe não pode dar uma condição no mínimo digna de vida a essa criança.

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